domingo, 24 de abril de 2011

Sangria dos açudes: entre a expectativa e a desesperança

As nuvens escuras que cobriram os céus do sertão potiguar nas últimas semanas e que resultaram em boas chuvas por todo o Rio Grande do Norte ainda não apagaram as dúvidas de quem espera um espetáculo à parte, no período chuvoso: as sangrias dos açudes. Embora alguns reservatórios do estado já tenham ultrapassado sua cota máxima, em outros o nível da água ainda está longe de alcançar a altura dos sangradouros e restam dúvidas se isso ocorrerá.

A equipe da TRIBUNA DO NORTE percorreu na última semana três dos principais reservatórios potiguares, a barragem Armando Ribeiro Gonçalves, em Assu; o açude Itans, em Caicó; e o Gargalheiras, em Acari; e ouviu relatos de expectativa em relação às sangrias, mas também de pessimismo, em um meio termo entre as cheias destruidoras de 2008 e 2009 e a seca que reinou em 2010.

Funcionário de um hotel próximo ao Gargalheiras, Manuel Rosendo Neto avalia que a sangria já deveria ter ocorrido e, a essa altura do ano, não acredita mais nessa possibilidade. “Pelo que conheço, acho que em 2011 não vai sangrar mais, não”, resume. Nascido e criado em Acari e com 28 anos de idade, ele lembra que as últimas sangrias ocorreram logo no início de abril. “Geralmente é no início do mês, em 2008 foi no dia 1º e em 2009 no dia 11”, recorda. Na verdade, em 2008 a sangria se iniciou ainda em 31 de março e foi a primeira registrada desde 2004.
adriano abreuLâmina d’água do açude Gargalheira ainda esta abaixo do limiteLâmina d’água do açude Gargalheira ainda esta abaixo do limite
 
Trabalhando há oito anos no hotel, ele revela que o fluxo de visitantes triplica quando há a sangria. No último final de semana, sete dos 11 quartos do local se encontravam ocupados. Se o açude estivesse despejando água sobre o sangradouro, a expectativa é que houvesse fila de espera para poder acompanhar o espetáculo do “véu de noiva” formado pela cascata descendo pela parede do reservatório.

“Quando começou a chover o pessoal ainda ligou, para saber se estava para sangrar, mas quando souberam que não, nem vieram”, lamentou, lembrando que o Dourado, último açude antes de chegar ao Gargalheiras, não havia sangrado até uma semana atrás e que o próprio nível do reservatório de Acari ainda se encontrava a mais de 2,5 metros da capacidade total, no último domingo.

O pescador e vendedor ambulante Milton Gregório da Silva também lamentou o baixo movimento nessa época do ano. Segundo ele, a presença de visitantes no Gargalheiras seria bem maior se já tivesse ocorrido a sangria, como ocorreu em 2009, ano no qual “Miltão”, como é mais conhecido, começou a trabalhar com um carrinho de bebidas e lanches à margem do reservatório. “Até agora pouca gente está vindo”, observa.

O pescador destaca ainda que o volume de peixes em 2011 está abaixo do esperado. Apesar de o açude apresentar problemas visíveis de poluição da água, gerados devido à falta de saneamento em municípios próximos, “Miltão” não culpa a sujeira pela redução no número de peixes. “Tá difícil pra pesca, mas acho que não é isso (a poluição), não. Peixe é ano. Tem ano que é bom, tem ano que não é”, define.

Assu e Caicó mantêm a esperança

A informação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), de meados da semana, dava conta que a barragem Armando Ribeiro Gonçalves estava com 87% de seu volume ocupado e ainda faltava 1,6 metro para a sangria, medida que pode parecer pequena, mas que ainda representa um volume imenso de água. O reservatório comporta 2,4 bilhões de m3, que faz dele o maior do Rio Grande do Norte.

No entanto, em pleno domingo, 10h da manhã, nenhuma das mesas do restaurante ao lado da parede da barragem estava ocupada por clientes e poucas pessoas se dispunham a ir conhecer o sangradouro. No momento da passagem da equipe da TN, apenas a família de João Maria Bezerra se encontrava no local.

O autônomo, que mora em Natal, reconheceu um “pingo de frustração” por não encontrar o reservatório sangrando. Nas cheias de 2008 e 2009, o reservatório chegou a registrar uma sangria com mais de 4 metros de lâmina d’água, em um espetáculo que encheu de beleza os olhos dos turistas e de temor os moradores das áreas próximas, vítimas das inundações que destruíram casas e plantações no Vale do Açu.

Este ano, porém, o momento ainda é de expectativa. Dainara Cristina Barbosa, que trabalha no restaurante vizinho à barragem, diz acreditar que a sangria possa ocorrer nas próximas semanas. “Está chovendo desde o começo do mês e o movimento daqui só melhora mesmo quando sangra. Ouvi falar que falta pouco mais de um metro, então acho que vai sangrar ainda”, torce a jovem, sem esconder que a demora vem realmente frustrando muitos dos turistas.
Em 2008, a sangria ocorreu ainda no final de março, no dia 27, enquanto em 2009 o volume d’água ultrapassou a capacidade do reservatório no dia 18 de abril.

Caicó

Morando ao lado do açude Itans há 21 anos, o trabalhador rural Lourival Francisco de França mantém o otimismo. “Ora, (o Itans) ainda vai sangrar, sim. Naqueles anos que choveu muito já tinha sangrado a essa altura do ano, mas teve ano de só sangrar no mês de maio, no final do mês, então ainda tem tempo de ter uma sangria”, avalia.

Segundo ele, a sangria é a grande alegria dos caicoenses e dos turistas que vêm à cidade ver o espetáculo das águas. “Vige! A parede aí fica estreita para tanto povo, quando está sangrando”, resume. Até a medição do dia 18 de abril, o Itans alcançava pouco mais de metade de sua capacidade, exatos 51% dos 81 milhões de m3. Em 2008 a sangria ocorreu no dia 3 deste mês, enquanto em 2009 só veio no dia 29 de abril.

Agricultores ainda aguardam chuvas no Seridó

A expectativa quanto às sangrias dos açudes é semelhante às dos agricultores com relação à safra deste ano. O subcoordenador de Agropecuária da Secretaria Estadual de Agricultura, Valdir Araújo de Souza, afirma que é cedo para garantir se haverá uma boa colheita, ou se as plantações do estado ainda podem ser afetadas pela irregularidade do inverno. “Acredito que dentro de uns 15 dias é que podemos ter um cenário mais claro, hoje é precipitado prever algo.”

De qualquer forma, ele lembra que as sementes já foram distribuídas pela secretaria, nas regiões onde os bancos de sementes (mais de 900 em todo o território potiguar) não conseguiram produção suficiente para garantir o volume necessário este ano.
Ele revela que em regiões como a do Alto Oeste, na “tromba do elefante”, as chuvas vêm garantindo otimismo para a safra de 2011, o que vem se refletindo em boas perspectivas para o restante do Rio Grande do Norte. “Vamos aguardar, mas a expectativa é boa”, conclui.

Monitoramento realizado pela Semarh é mensal

A maioria dos dados da Semarh ainda dizem respeito a informações coletadas em março. De acordo com a coordenadora de Gestão de Recursos Hídricos da secretaria, Joana D’arc Freire de Medeiros, o monitoramento ainda é feito apenas mensalmente, devido à limitação de pessoal e de estrutura da secretaria. O próximo levantamento geral deve ocorrer na primeira semana de maio.
Ela afirma que já vem sendo trabalhada a compra de novos equipamentos, que permitirão o monitoramento diário dos reservatórios, mas enquanto isso não ocorre, a Semarh trabalha com informações obtidas em campo pelas equipes, ou que chegam através de contatos no interior. “Na sexta-feira (18) o que soubemos é que na Armando Ribeiro estava com 87% da capacidade e ainda faltava 1,6 metro, apesar de quê ela toma muito volume de água de uma vez só”, destacou.

Já o açude de Cruzeta estava, segundo as informações da Semarh referentes a 18 de abril, próximo da sangria, que poderia acontecer a qualquer momento devido às últimas chuvas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário